A Praia
Tanta gente a correr para a praia. Vejo-os passar sentado na esplanada. As peles ávidas de sol. Irão descer a rua e aproveitar estes raios que nos têm aquecido. A praia já deve ter os habituais clientes de todo o ano e mais alguns. Descem a rua e vão com ar de quem ama o calor.
As ondas batem na parede do bar. Pouca gente na água. Muita gente a trabalhar para o bronze. Gente que vive a esturricar a pele. Apesar dos cremes o perigo ronda. Dois pescadores tentam a sua sorte. Procuram os peixes que teimam em lhes fugir. Nas rochas escondem-se os polvos. Logo à noite barquinhos com uma luz irão procurar outras espécies.
O bar. Um barco encalhado nas rochas. Foi assim que sempre o vi. Conheço-o desde criança. O tempo das barracas e dos toldos alugados à época. No tempo dos banheiros que levavam as crianças ao banho. Aquele lugar começou a ter sentido quando a idade cresceu. As amigas e os amigos. As namoradas. As festas que dali partiam. O meu amigo que tinha um cão premiado. Esse cão que muitas vezes partia à desfilada e levava cadeiras com ele. Esse bar, esse barco, que ali continua.
Há sempre quem se passeie a fazer corpo. A mostrar o que o sacrifício do ginásio produziu. Juntam-se nas rochas os que procuram a cura para as maleitas dos ossos. Dizem que esta praia, tem muito iodo, que tem um microclima. Já teve direi eu. As algas já não se enrolam nas nossas pernas. As rochas, cada vez menos, pintadas de um verde vivo.
Há quem se lembre das pessoas vindas em padiolas desde o antigo sanatório até à praia. Sanatório de doenças de ossos. Eu, lembro-me do solário. Onde se marcavam as horas para os banhos de sol. Todo o corpo liberto a absorver os raios solares. Tudo para calar as dores que não se calavam.
As ruas que vão dar à praia já mudaram um pouco. Algumas vivendas desapareceram. Desapareceu o Pavilhão onde se íamos ver o hóquei. Tantas equipas da linha a jogarem na elite. Tantos craques. Os miúdos que aprendiam a andar e a patinar.
No natal os perus, passavam e ficavam num terreno perto da linha do comboio. Era lá que se iam comprar. Depois era embebedá-los, matá-los e cozinhá-los. O segredo do recheio. Quando acabaram os perus apareceram atracções e circos. Os carrinhos de choque. O carrossel. Há já muitos anos que, naquele sítio, mora um prédio com lojas por baixo.
A parte de cima e a de baixo da linha. Sempre houve uma distinção. Agora as passagens são subterrâneas. Dantes havia sinais sonoros e guarda da linha com bandeira. O chefe de estação e o seu apito. As traves de madeira que calcorreávamos.
Voltemos à esplanada. As pessoas estão a voltar da praia. Afogueadas algumas criaturas. As chinelas. Os corpos a precisarem de água doce. Alguma areia que sobra em certos sítios do corpo. Grãos que o sol doira. Os cabelos mais clareados. As caras mais coradas. Mais uma água e casa.
«Olha, hoje gostei do passeio. Sim senhor.»
Fala de Isaurinda.
«Os velhos e os novos tempos. Assim passeámos.»
Respondo.
«Olha ainda me lembro desse cão que falas e do teu amigo. Vocês eram pouco malandros, eram!»
De novo Isaurinda e vai, o sol na mão.
Jorge C Ferreira Abril/2019(203)
(…) Há sempre quem se passeie a fazer corpo. (…) e tanto corpo recolhido em si!!!
Beijinho grande
Obrigado Isabel. Sim, os contrastes da vida. O prazer de ler o teu comentário. Abraço
Recíproco!!!
Que belo passeio!
Senti o cheiro a maresia, a areia nos pés, o som das ondas nas rochas…
Vou ali dar um mergulho e já volto!
Obrigado Maria. Que o banho seja retemperador. Tu mereces tudo de bom. Abraço.
Ora viva, meu querido amigo.. Desta vez fomos à praia. E ir à praia contigo será, sempre, uma festa. De início tenho a sensação de ir visitar um amor teu e que até nos vais esquecer. O mar, essa tua paixão. Conheci a ” Parede ” há muitos anos., teria por volta de 9, 10 anos. A 1ª Escola onde a minha mãe lecionou foi em Ferrel e acabou por ficar ligada à Família Duarte onde, primeiramente, se hospedou. Anos depois, teria eu a idade já informada acima, os meus pais alugaram uma casa no Baleal e fomos passar férias para lá. Foi, então que, um dia, fomos visitar a ” tia Geca ” que estava internada no Sanatório da Parede a tratar-se de uma tuberculose-óssea. Será escusado dizer-te como achei tudo tão belo. E, mais uma vez, através das tuas palavras e descrições, eu andei para trás no tempo e, aproveitando a tua companhia, voltei à Parede. Sabes, melhor que ninguém, como todas as vivências mudaram com os anos. Este passeio ,agora, mostrou-me como a praia evoluiu e como nós aprendemos contigo, mais uma vez com a tua cinematográfica escrita, a olhar os ” lugares e hábitos ” do presente. ” Os velhos e os novos tempos ” diz a Isaurinda e não esquecerei que eras um ” bom malandro”. Como gosto das tuas palavras e do modo como as encaminhas !!! Pois gostei muito. Beijinhos pelo passeio e, até sempre, contigo.
Obrigado, Ivone, minha Amiga/Irmã. Que bom teres andado por aqui. Tudo o que tu tocas eu adoro. Quantas praias somos? Quantos mares? Belo o que escreveste. Abraço
Esta crónica tão cheia de sensações leva-nos, tal Cesário Verde, a um ambiente feliz de uma tarde primaveril.
Gostei do passeio desta tarde. Obrigada.
Obrigado Idalina. Vamos deixar que aprimavera nos abrace. Vamos fazer um piquenique com Cesário. Abraço
Muito agradável este passeio até à praia e à esplanada donde pudemos observar consigo todos os movimentos. Ouvi-!o também contar estórias de outras eras, foi um momento delicioso! Que belo texto! Obrigada, meu amigo. Um beijinho
Obrigado Madalena. Que bom ter gostado do passeio e das histórias. Abraço
A praia que me aguçava a curiosidade, pelos espaços adequados aos banhos de sol. Por muito que me colocasse em bicos dos pés não via nada. As pedras tão características. Não importava como se acomodavam o iodo valia o esforço. Daí os naturais da Parede serem conhecidos por “osgas”. Que bem sabe ler esta crónica. Abraço Jorge.
Obrigado Regina. Sim, nadase via. Ainda somos osgas. Eu sou por adopção. A terra onde mais cresci. Abraço
Uma delicia! Recordações de infância. Momento presente, a saborear o Verão antecipado. A esplanada. Corpos ao sol.
Memórias do banheiro que levava as crianças ao mar. Choro, esquecido no meio da brincadeira. Horas de banho. Horas de sol.
Tal como a Isaurinda, gostei muito deste passeio à Praia!
Obrigada.
Obrigado Eulália. O verão de todo ano para quem vive perto do mar. A praia e ver o mar. Abraço
Querido Jorge
Tão leve e bonita esta tua crónica. Trouxe uma vez mais as memórias de uma infância , leves e bonitas, também. Não, não sou do tempo que os banheiros levavam as crianças ao banho, mas recordo-me da ternura e prontidão com que os banheiros me socorreram por duas vezes que fui mordida por um peixe aranha. Era comum acontecer.
Durante muitos anos foi essa praia que me viu crescer. Os problemas de ossos da mãe, as varizes imensas nas suas pernas eram alguns dos motivos que nos levavam a levantar de madrugada e a fazer tantos kilometros em transportes publicos até chegar ao destino – Parede. Tantas horas e tantos transportes desde Vila Franca de Xira e era tudo tão saudavelmente fácil. As brincadeiras deliciosas com os limos, o cuidado a brincar nas “rochas verdes” para não escorregar. O sol, mais inofensivo na época, ainda assim todo o cuidado da mãe com as pastas do creme nivea sobre a nossa pele excessivamente branca , mas um sol abençoado que tirava toda a dor. A Isaurinda sabe desse sol. Depois, o habitual passeio no jardim e o regresso a casa.
Que belo passeio , me acabaste de oferecer, digo também eu , nostálgica ainda. Beijo
Obrigado Cristina. O jardim dos patos. O Parque Morais. Ainda me lembro de ser aí o quartel dos bombeiros. O cinema ao ar livre. Tudo tão fresco. Abraço
O jardim dos patos, sim. Tudo tão fresco. Tão belas sempre as tuas palavras. Outro abraço
Obrigado
Um texto primaveril,que bom é ver a paisagem através das tuas palavras. Uma bonita aguarela de memórias que me fazem situar no tempo que não conheci.
Abraço meu amigo,que o sol nos aqueça e nos dê a alegria que tanto precisamos para pintar a vida…
Obrigado Célia. Tão bom receber o sol e passear pela bila. Apreciar o viver. Gostar e ser parte. Abraço